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Repensando o lixo em Florianópolis

20 de janeiro de 2021 - Opinião, Sustentabilidade

Repensando o lixo em Florianópolis

A cidade opera sob um modelo que é caro e incentiva a geração de lixo

No dia 30 de novembro, os trabalhadores da Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap) entraram em greve, suspendendo o serviço de coleta de lixo em Florianópolis. Ainda que greves da Comcap não surpreendam nenhum manezinho dada a frequência tediosa com que isso acontece, esta última se destacou em razão de um detalhe: a reação da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF). 

No mesmo dia em que a autarquia paralisou suas atividades, a prefeitura contratou, em caráter emergencial, uma empresa privada para garantir a coleta de lixo na capital. A prestação do serviço iniciou imediatamente, mas com um diferencial: a empresa contratada cobrou apenas 42% do preço praticado pela Comcap. Enquanto a PMF pagava à autarquia R$ 420,80 por tonelada de lixo, a empresa realizou o serviço por R$ 176,89 conforme publicação do prefeito Gean Loureiro nas redes sociais.

A história não parou por aí. Depois dessa publicação, outras empresas do ramo se colocaram à disposição da prefeitura para coletar o lixo da cidade em preços igualmente competitivos. Esse fato confirmou a hipótese de que um preço sensivelmente menor é economicamente viável e atrativo para outros prestadores de serviço. 

A greve foi encerrada em poucos dias, e a Comcap retomou suas atividades de rotina – ou seja, coletar lixo e cobrar caro por isso. 

Poucas semanas depois tivemos que engolir as dores desse velho normal: com a chegada do carnê de IPTU e Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos (TCRS), sentimos na pele os preços altos praticados pela autarquia.

Para termos uma situação mais precisa da TCRS, vamos aos números: em 2019 a TCRS correspondeu à arrecadação de aproximadamente R$ 100,1 milhões. No mesmo ano, a Comcap coletou aproximadamente 223 mil toneladas de resíduos, correspondendo a R$ 449,24 por tonelada de lixo. 

Cabe destacar que neste valor está contemplada apenas a coleta, não incluindo tratamento e destinação do lixo. Estes serviços, por sua vez, são realizados por outra empresa cujo contrato (de 2016) estabelece o valor de R$ 148,27 por tonelada de lixo, e os recursos para custeio dessa atividade provém do Fundo Municipal de Saneamento Básico. Já o fundo é financiado por transferências diretas da PMF. 

Além disso, também cabe destacar que a Comcap não é integralmente financiada pela arrecadação da TCRS, uma vez que a entidade desempenha outras funções além da coleta de lixo, como a manutenção dos espaços públicos em Florianópolis. Em 2019, seu orçamento totalizou aproximadamente R$ 187,5 milhões. Considerando que não há discriminação do quanto desse valor corresponde a cada atividade da autarquia, não há como saber exatamente o quanto a coleta de lixo custa para a PMF, apenas o quanto pagamos por ela.

Mas tão ruim quanto o alto valor que se paga de TCRS é a forma pela qual a taxa é paga, uma função de três variáveis: (1) tipo de uso do imóvel, se sua ocupação é residencial ou comercial; (2) frequência de coleta de lixo e; (3) a área do imóvel. 

Sendo assim, se o caminhão de lixo passa mais vezes na sua rua, você paga mais. Se o seu imóvel é grande, você também paga mais. Ou seja, o quanto você produz de lixo não está nem um pouco relacionado daquilo que lhe é cobrado.

Esse modelo de cobrança recompensa quem gera mais lixo, afinal o custo de administrar o excesso de resíduos é diluído entre todos os contribuintes. Isso que parece ser incompatível com a meta estabelecida pela PMF de tornar Florianópolis a primeira capital “lixo zero” do Brasil. 

Ainda, esse modelo pune duplamente quem gera menos lixo: além pagar caro pela tonelada de lixo, paga pelo lixo que não gerou.

Em um momento em que todos têm especial atenção à otimização de recursos, revisar esse modelo é uma prioridade. Se reduzirmos o valor da TCRS na mesma proporção da economia ofertada pelas empresas de coleta durante a greve da Comcap, teremos aproximadamente R$ 58 milhões a mais disponível para a população florianopolitana – e a concorrência no setor se mostrou uma forte aliada dos cidadãos. Ainda, se mudarmos o modelo para cobrar a TCRS de acordo com a quantidade de lixo gerado, o consumo na cidade seria mais inteligente.

O momento não poderia ser mais oportuno para promover essa mudança: em 2021 deve ser elaborado um novo Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para vigorar de 2022 a 2025, o que manterá o tópico aceso no debate público ao longo do ano, ensejando outras revisões legislativas.

Nesse contexto, todos agentes políticos têm um papel importante. O setor público – executivo, o legislativo, o judiciário, o ministério público e o tribunal de contas – devem se comprometer a uma agenda reformista atenta à eficiência das políticas públicas, à abertura para a concorrência, à responsabilidade fiscal, à lisura dos procedimentos e à segurança jurídica das operações. 

Mas essa mobilização não é inercial e não vai acontecer espontaneamente. Por isso o setor privado deve engajar no debate como protagonista, não só provocando agentes públicos e a opinião pública a refletir sobre a necessidade de mudança, mas sobretudo agindo nesse sentido. Em 30 de novembro isso já foi feito, o que nos falta para repetir isso nos demais dias do ano?

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