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Artigo: Somos todos corruptos

18 de fevereiro de 2011 - Novidades

Em França, em 13 de julho de 1.793, a provinciana Charlotte Corday entrou no quarto onde estava Marat, líder da Revolução Francesa, e o apunhalou com convicção, levando-o à morte. Sem arrependimento, afirmou em seu julgamento: ”Para os modernos, existem poucos patriotas que sabem morrer por seu país: quase tudo é egoísmo. Que triste povo para formar uma República” (As aventuras da Virtude, Newton Bignotto) (o líder revolucionário exangue, imerso na banheira, como muitos anos depois o imitaria Vinícius de Moraes, é tratado num belo quadro de Jacques-Louis David. Vale a pena usar o google para ver a obra).

A conclusão do título é abrupta, vem de chofre como um tapa, mas é verdadeira. A corrupção, não apenas em nosso país, mas em nosso Estado, em nossa cidade, é aplaudida e, quando não ostensivamente, admitida como um fato da vida, como as chuvas de verão ou enchentes em Santa Catarina. E muitas vezes abertamente. Aliás, o Estado Brasileiro nos trata como súditos corruptos aos duvidar de nossa palavra e exigir sempre um carimbo, uma autenticação, um documento a mais, para comprovar o que afirmamos. Somos, desde o início, tratados como malfeitores, em qualquer lugar, especialmente numa repartição pública. Acostumamo-nos com esse tratamento e o reproduzimos na esfera privada. Afinal, como saberei se o que o outro fala é verdade se todos somos corruptos e impera a esperteza?

Tome-se o novo governo. Reluzente, jovem, bem intencionado, o Governador Raimundo Colombo, melhor assessorado (Dr. Ubiratan, Dr. Serpa, Dr.Grubba) do que muito de seus antecessores viu-se incapaz de nomear uma equipe com um perfil preparado para gerenciar o Estado. E sua proposta era exatamente “um governo íntegro, transparente e digno da confiança recebida. Um governo responsável e zeloso do dinheiro público”. Impaludaram-no com filhos, asseclas e toda a bajulação cortesã conhecida, nas quais se incluem boquinhas para mulher de amigo e amigo de amigo, como tem denunciado a coluna de Cacau Menezes.

A imagem de luta sangrenta contra os piratas que subiram no seu barco e agora querem dividir os despojos da última guerra é um retrato honesto do início do governo. Ora, se elegeram o homem, porque não deixá-lo governar? Não o elegeram em face de seu programa, de suas idéias? Qual a relevância de secretarias com orçamento, da nomeação de parentes, de assinatura de contratos esquisitos, com a faca nos dentes, se havia um projeto moldado num sonho comum?

No plano federal, a mesma coisa: furnas e dossiês pululam. E não é de hoje. José Bonifácio de Andrada advertia D. Pedro no ano da independência com valioso conselho, exceção da injustiça a Minas: “Não se fie Vossa Alteza Real em tudo o que lhe disserem os mineiros, pois passam no Brasil pelos mais finos trapaceiros do universo, fazem do preto branco, mormente nas atuas circunstâncias em que pretendem mercês e cargos públicos” (1822, Laurentino Gomes, p.100). Todo o ardor e sonho comum de companheiros numa eleição tornam-se vitória uma matemática cruenta e tendente à corrupção, com a ocupação de gente despreparada para o exercício daquela específica função pública. A união pelo sonho era, na realidade, a visão do butim a ser dividido. A conspurcação do sentido da oração da paz de São Francisco de Assis (“Pois é dando, que se recebe. Perdoando, que se é perdoado e é morrendo, que se vive para a vida eterna!”), como lembrado por Leonardo Boff, é algo lamentável. Não se constrói um país desse jeito, sem uma devoção à causa pública, sem mérito e sem qualquer preocupação com a virtude, mas com uma idiota e suicida objetividade da “geografia das urnas”.

Individualmente não a admitimos, culpamos terceiros, excluímo-nos do problema: são os políticos, são “as elites”, enfim, os outros. No plano pessoal somos virgens enclausuradas, beatas imaculadas, varões de Plutarco, paladinos da moralidade, todos inconformados com aquela contratação, aquele “negócio da china” do servidor público com dinheiro pátrio. Na mesa de bar, cutucamo-nos curiosos e deslumbrados com as malfeitorias alheias. Em Florianópolis, sabem-se tudo, com nome, endereço e até detalhes não permitidos em qualquer crônica pública. Sabe-se o valor e alguns tem até apelidos como fulaninho 15 mil. Quem levou o dinheiro, de onde veio, quando, como. Talvez, até com um bocadinho de inveja: milhões no Uruguai, um milhão pego no aeroporto, dinheiro na cabeceira da ponte, fraude na licitação das eólicas, árvores de natal, shows de tenores, grandes “jogadas”. Gianetti, direto das leituras de verão (Vícios privados, benefícios públicos?), chama isso do paradoxo brasileiro: individualmente somos Suíça e a sociedade que formamos caminha para um Haiti.
Por isso a campanha do Ministério Público (O que você tem a ver com a corrupção?) é realmente magnífica, na sua simplicidade. Temos tudo a ver com a corrupção e nas questões mais simples. Regras da civilidade humana, de submissão às normas do convívio social como não estacionar em local proibido, não jogar lixo no chão, respeitar as filas, não colar nas provas (instituição largamente difundida em toda instituição de ensino, aí se incluindo as Faculdades de Direito) são corrupção em sua forma aparentemente mais inofensiva.

Não há em nosso país um namoro com a virtude esta peça essencial da República. É ela vista como coisa de bobos, ingênuos que não conhecem como as coisas funcionam. Substituímos a integridade pela esperteza. Por outro lado, a frustração de homens de bem, em face do fato de quem segue as regras é sempre prejudicado num ambiente em que quase tudo é permitido, – leva a uma conclusão terrível: como é generalizada a corrupção, todos devemos nos locupletar. Afinal, por que devo me submeter se ninguém o faz e não há consequências duradouras e severas? Por que conter meu ímpeto de recompensar meus asseclas, cupinchas e parentes com cargos públicos em nome de algo etéreo como impessoalidade e moralidade se todos o fazem?

No fundo, regra geral nossos representantes valem muito pouco, mas valemos menos por lhes permitir a ascensão. E assim seguimos com uma boiada triste, cabisbaixa, podre construindo um país do qual cada vez mais nesta seara há pouco para ufanismo. Necessário que lutemos contra nossos ímpetos corruptos, de votar no nosso amigo deputado sabidamente ímprobo, naquele que poderá resolver um problema, que denunciemos os fiscais pecaminosos, que não comportemos como membros de uma organização criminosa e aspiremos mais, bem mais do que nossos animais necessidades cotidianas, com desprendimento. Precisamos, enfim, de novas lideranças capazes de romper com este paradigma caduco e cruel. Sem isso, sem a ação movida por um sonho, pleno de virtude, abstraído os interesses mesquinhos de cada um, o último que sair que apague a luz, porque, provavelmente, alguns terminarão na ponta da faca de uma jovem idealista…

P.S.: O único jornalista que presenciou o derradeiro ato do poetinha chama-se Paulo Alceu e na época era repórter da Globo.

Por: Advogado Marcelo Ramos Peregrino Ferreira.

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