Os 4 motivos pelos quais o atual Plano Diretor é um pivô do alto custo de vida na capital
Por Pedro Tavares Fernandes
Após passar anos ignorado pelos grandes palcos do debate público florianopolitano, o Plano Diretor do município ganhou destaque nas últimas semanas. A razão disso foi o pacote de medidas proposto pelo poder executivo da cidade, que contemplava uma revisão da lei complementar nº 482 de 2014, o atual Plano Diretor.
As mudanças propostas – superficiais, mas positivas – foram suficientes para inflamar o discurso de reacionários que se opõem à verticalização, ao adensamento urbano ou a qualquer mudança que retire da cidade seus ares provincianos. Dessa forma, embora 15 dos 23 vereadores tenham votado a favor da proposta, o texto não foi aprovado porque a matéria exigia 16 votos.
No entanto, não há espaço para desânimo – muito pelo contrário. Este foi apenas o primeiro mês de 48 da atual legislatura. Precisamos ter em mente que, conforme o artigo 336 da lei complementar nº 482 de 2014, respaldado pelo Estatuto da Cidade, o Plano deve ser revisto a cada dez anos. Se o Plano atual é de 2014, precisará ser revisto até 2024. Ou seja, nós não perdemos a partida, apenas sofremos um gol nos primeiros minutos – e temos até o final do segundo tempo para virar o jogo. Temos quatro anos para convencer o 16º voto.
Para tanto, é necessário dar um primeiro passo fundamental: entender com clareza quais são os problemas do atual Plano Diretor. Em um momento de crise, no qual gastamos com parcimônia, talvez o ponto mais relevante sobre o Plano atual é o fato de que ele é um pivô do alto custo de vida na capital. Entenda o porquê:
1. Tamanho mínimo de lotes
Salvo poucas exceções (zonas de interesse social e áreas residenciais culturais), o Plano Diretor veda que o parcelamento de terrenos dê origem a lotes menores do que 360m². Na verdade, essa vedação tem origem na lei nº 1.215 de 1974, e o Plano Diretor a reforça (ainda que tenha competência formal para reformulá-la).
Essa restrição é negativa, pois reduz a oferta de imóveis na cidade.
Imagine o seguinte cenário: você tem um terreno com área de 3.600m² e deseja transformá-lo em um conjunto de 12 lotes de 300m². A legislação o proíbe. É permitido apenas que você o transforme em 10 lotes de 360m². Dessa forma, você perdeu a oportunidade de ofertar dois lotes. Quando considerado apenas um terreno, o impacto no preço do lote pode até ser irrisório; mas quando isso acontece em toda uma cidade, é inevitável que essa restrição pressione o preço dos imóveis para cima, pois reduz a oferta global.
2. Altura máxima de edificações
Em uma consulta rápida ao anexo F01 do Plano Diretor (ou em um rápido passeio pela cidade), pode se perceber que a cidade não permite prédios com mais de 12 pavimentos. Apenas em casos específicos a lei admite concessão de alguns pavimentos adicionais.
Por exemplo, o Centro de Florianópolis, com uma paisagem fortemente urbanizada há décadas, é predominantemente zoneado com o limite de construção de 10 pavimentos. Às margens das principais avenidas do bairro, o limite chega a 12 (sem contar as exíguas permissões de pavimentos adicionais).
Da mesma forma que o tamanho mínimo de lotes reduz a oferta imobiliária na capital, é intuitivo compreender as perdas causadas pelas restrições de altura de edificações. Com limites baixos de construção, há menos unidades disponíveis no mercado, e o preço tende a permanecer alto.
3. Número mínimo de vagas de garagem
Já em uma consulta ao anexo E01, perceber-se-á que o Plano exige pelo menos uma vaga de automóvel por unidade residencial. A depender da área da unidade número pode chegar até três.
A ideia é bem intencionada, pois parece ser impensável comprar um apartamento sem que haja ao menos uma vaga, então torna-se direito do cidadão receber uma vaga quando adquire a unidade. No entanto, isso traz algumas consequências nocivas. Para além de incentivar o uso do carro, essa exigência também aumenta o preço dos imóveis. Primeiro porque exige que uma área considerável do empreendimento seja destinada para implantação da garagem, que reduz o potencial de construção de novas unidades imobiliárias, reduzindo a oferta e, portanto, pressionando o preço. Segundo porque obriga o comprador do imóvel a adquirir não só a área que deseja da unidade residencial, mas também da garagem.
Além disso, é importante destacar que essa exigência dificulta a exploração de conceitos imobiliários modernos como os studios, apartamentos compactos. Se considerarmos que uma vaga de garagem meça aproximadamente 9m² e a área média de um studio em Florianópolis seja de 40m², somente a vaga de garagem corresponde a 22,5% da área total do apartamento – área pela qual o comprador terá de pagar, mas que talvez não tenha interesse em adquirir.
4. Separação de zonas residenciais das comerciais
Por fim, outro ponto sensível no custo de vida do florianopolitano é a separação de zonas residenciais das comerciais. Isso força o cidadão a se deslocar de carro e ficar preso em engarrafamentos intermináveis, o que resulta em gastos com combustível e manutenção, centenas de horas perdidas por ano e um dano ambiental desnecessário.
Essa separação tem várias causas e, portanto, não há uma bala de prata que resolva. Mesmo assim, é importante destacar um dos principais elementos do zoneamento que contribuem para isso: as áreas residenciais predominantes (ARP). Definida no artigo 42, § 3º, I, do Plano Diretor, as ARP são “destinadas ao uso preferencial de moradias, onde se admitem pequenos serviços e comércios vicinais” – ou seja, áreas na qual o poder público deseja manter a atividade comercial rarefeita. Além de contribuir com a diminuição da segurança nessas áreas durante o horário comercial – afinal, todos saíram para trabalhar em outro bairro –, parece altamente provável que o morador de uma região classificada como ARP tenha um carro e o utilize diariamente para ir trabalhar.
Urbanismo não é uma ciência trivial, muito pelo contrário. É uma ciência que envolve compreensão econômica, sociológica, geográfica e física de uma região. Portanto, a confecção de um Plano Diretor é igualmente complexa, e um texto não é capaz de oferecer a panaceia para Florianópolis.
De toda forma, este texto é sobretudo uma provocação. O Plano Diretor de Florianópolis deve ser revisto nos próximos quatro anos e temos a oportunidade de fazer disso uma redução sensível no custo de vida das pessoas. De qual lado você e o seu vereador estão?