A segurança de uma cidade começa em seu urbanismo
Por Pedro Tavares Fernandes
Quando pensamos em segurança pública, pensamos principalmente em policiamento. Inclusive, essa percepção é reforçada pela Constituição, que ao reservar um artigo inteiro para o tema, lista em seis incisos os órgãos responsáveis pela gestão da segurança pública: as polícias federais, estaduais, distritais e o corpo de bombeiros militares. Essa ideia não é errada, afinal o policiamento (sobretudo o ostensivo) nos transmite a ideia de que um espaço público está sendo observado e que eventuais crimes, contravenções ou infrações serão reprimidos.
No entanto, não é apenas a presença de policiais que pode dar ignição nesse processo – na verdade, policiar um local para ele se tornar seguro é análogo a fazer o carro “pegar no tranco”. Um local se torna seguro quando primeiro transmite sensação de segurança para que as pessoas permaneçam ou transitem por lá. Com pessoas frequentando e observando o ambiente, temos pessoas involuntariamente cuidando umas das outras – e quanto mais pessoas, maior o cuidado. Isso desencoraja a delinquência, e somente quando o local não for atrativo para as pessoas que o policiamento deve se tornar o instrumento primário de segurança.
Dessa forma, a construção de uma cidade efetivamente segura passa por uma política urbanística que incentive pessoas a ocuparem os espaços públicos e diminua a necessidade por policiamento.
Na contramão disso está Florianópolis. Ainda que a conclusão apresentada acima não seja novidade para os gestores públicos há décadas, a política de ocupação da Capital – o Plano Diretor – guarda pontos que ignoram o papel do urbanismo na segurança da cidade:
Regiões de baixa densidade urbana
No artigo Como o Plano Diretor aumenta seu custo de vida, demonstrou-se o impacto do tamanho mínimo dos lotes e da altura máxima de edificações na vida econômica do cidadão florianopolitano, mas esses elementos também impactam a sua segurança. Ao limitar o potencial construtivo dos terrenos, essas restrições reduzem a densidade habitacional de bairros. Assim, há menos pessoas transitando na região, seja partindo dela em direção a outro lugar, seja chegando a ela – e bairros vazios são bairros inseguros.
Separação de zonas residenciais das comerciais
No mesmo artigo, destacou-se que zoneamentos que restringem usos comerciais em zonas residenciais e vice-versa induzem pessoas a dependerem mais do carro como meio de transporte, mas não é só isso. Se você dificulta a atividade comercial em bairros residenciais – como nas áreas residenciais predominantes (ARPs) –, você terá um esvaziamento dessa região durante o horário comercial, tornando-os inseguros. A recíproca também é válida: dificultar o uso residencial em zonas comerciais faz com que essas regiões se tornem inseguras fora do horário comercial. Exemplo claro disso é o calçadão da Felipe Schmidtt e seus afluentes: nos poucos minutos que separam as 18:30 das 19:30, percebemos uma região pulsante se tornar inóspita.
Afastamentos excessivos do pavimento térreo de edificações
Em Morte e Vida de Grandes Cidades, a urbanista Jane Jacobs destaca que os edifícios de uma rua devem estar preparados para receber estranhos e a eles prover segurança – o meio para tanto é provendo os “olhares para a rua”.
Quando não há olhos para a rua, não há pessoas nas edificações involuntariamente cuidando dos transeuntes. É isso que acontece quando exigimos grandes afastamentos no pavimento térreo das edificações, pois distanciamos os olhares que portarias, lojas, restaurantes poderiam prover para a rua.
Assim, independentemente da quantidade de pavimentos de uma edificação, é ideal que o pavimento térreo e seus usos estejam o mais próximo possível da calçada, senão fica reduzido o potencial gerador de segurança de um prédio.
Há uma alternativa?
Quando colocamos um Plano Diretor disfuncional para vigorar, é provável que deixe cicatrizes permanentes na cidade – afinal, depois que um prédio é levantado, é muito caro dar-lhe uma nova forma, o melhor custo benefício segue em edificar em outros terrenos. Isso traz pouco alento ao encararmos as características urbanas destacadas acima.
Contudo, mais importante do que lamentar os erros cometidos no passado é aproveitar as oportunidades para colocar a política urbana em uma nova rota – sobretudo em uma cidade com tanto potencial de crescimento. Nesse sentido, com a obrigação de se rever o Plano Diretor até o final de 2024 (conforme o artigo 336 da Lei Complementar Municipal nº 482 de 2014), estamos diante da oportunidade de transformar Florianópolis em uma cidade mais segura.
Para tanto, precisamos discutir o assunto a sério. Não podemos deixar o Plano se tornar um espaço de caprichos estéticos ou ideológicos – como o princípio da “apropriação social da mais valia oriunda das alterações dos índices de construção”, inscrito no artigo 8º, X, do Plano Diretor. Essa missão está nas mãos dos vereadores, e cabe a nós pressionar para que votem por uma cidade mais segura.